31 de mar. de 2009

Jornalismo em pauta

Na próxima quarta-feira, dia 1º de abril, o futuro da sociedade será definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Se esta afirmação lhe parece exagerada, é bom que saiba que nesta data estará em julgamento o Recurso Extraordinário que questiona a exigência do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão.




É isso mesmo. Há no País quem acredite que não é preciso um diploma para exercer a função de jornalista. O que baseia o discurso contra a exigência do diploma é o fato de que, de acordo com a Constituição de 1988, todo indivíduo tem o direito de expressar a sua opinião.

O que acontece é uma confusão de conceitos. Claro que cada um de nós pode emitir opinião sobre o que quer que seja, mas isso não é jornalismo. Aliás, muito pelo contrário. O que só os bancos da faculdade ensinam é que o jornalismo sério e de qualidade só é exercido de verdade quando tem a imparcialidade e a objetividade como meta.

O que isso quer dizer? Que a subjetividade deve passar longe das matérias informativas. Concordo que para escrever crônicas e artigos boa cultura, senso crítico e talento para escrever bastam, mas para apurar os fatos, hierarquizá-los e transformá-los em um texto que atraia o leitor, telespectador ou internauta é uma tarefa que vai além de talento. É preciso, sim, passar por uma formação específica para se entender a dinâmica da profissão.

O jornalismo é uma área vasta, não existe uma regra única para se trabalhar em televisão, rádio, jornal impresso ou hipermídia. Cada veículo tem as suas peculiaridades e uma linguagem específica. È preciso mais do que conhecimento técnico para transitar em cada um desses universos com habilidades.

Nem só da vida acadêmica se faz um bom jornalista, mas é ela quem dá a base para todo o resto. Se não é justo que aqueles que exercem a profissão sem diploma percam seus direitos, também não é correto que os que passaram por anos de faculdade, que investiram tempo e dinheiro não sejam valorizados por isso.

Ao contrário do que pode parecer, jornalismo é coisa séria. Tem influência direta na vida das pessoas e não pode ser encarado como uma brincadeira. Uma informação errada ou mal apurada pode destruir a vida de uma pessoa. Se com diploma os erros não deixam de acontecer, não dá nem para imaginar o que pode acontecer sem ele.

É na Academia que o aspirante a jornalista aprende a real noção de sua importância na sociedade, a seriedade da profissão que escolheu e, depois de quatro ou cinco anos jura, com todo orgulho e consciência:

“Juro, no exercício das funções de meu grau, assumir meu compromisso com a verdade e com a informação. Juro empenhar todos os meus atos e palavras, meus esforços e meus conhecimentos para a construção de uma nação consciente de sua história e de sua capacidade. Juro, no exercício de meu dever profissional, não omitir, não mentir e não distorcer informações, não manipular dados e, acima de tudo, não subordinar em favor de interesses pessoais o direito do cidadão à informação.”

Sem as teorias e normas profissionais aprendidas na faculdade, todo o talento do mundo é incapaz de entender de verdade a importância dessas palavras.

*Arte: site da Fenaj

27 de mar. de 2009

Talento e Cultura

Tem gente que acha que para ser artista basta ter talento e pronto. Mas não é bem assim. Talento é 10% do sucesso de um artista, os outros 90% depende de muito suor. Entenda-se por suor aquela parte “braçal” dessa glamourosa profissão, ou seja, estudo, treino, ensaio, orientação e tudo o mais.

Ser músico, ator ou cantor é um universo que mexe com a cabeça das pessoas, ainda mais em um País como o nosso em que bastou aparecer remexendo os quadris em uma banda de axé ou de funk para a pessoa já ser considerada artista. A maioria das pessoas pensa que é uma vida cheia de encantos, mas o artista bom, aquele que merece o título de verdade, tem que “ralar”. Não tem outro jeito.

Ator de teatro a mais de 30 anos, Marcus Marchiori declara: "Teatro não é só intuição e talento natural. Um ator para ser bom tem que saber algumas técnicas, tem que ter estudo". Seja qual for o talento do indivíduo, se não estudar nem levar a profissão a sério, acaba sendo só mais um rostinho bonito ou “cantor de uma música só” que cai no ostracismo com a mesma rapidez com que atingiu o estrelato.

É comum vermos meninas de 15, 16 anos dizendo que querem ser atrizes iludidas com o brilho e o charme da profissão.O que essas meninas não sabem é que atuar não é simplesmente decorar um texto e dizê-lo diante as câmeras. Ser ator é algo que vai além e exige trabalho físico, emocional e intelectual. È preciso muito estudo para o talento virar sucesso de audiência.

A beleza da juventude passa e só permanecem na TV aqueles atores e atrizes que se esmeram para ser sempre mais. Para garantir o que conquistaram hoje, Tony Ramos e Suzana Vieira tiveram muito trabalho e não se deixaram seduzir pelo sucesso. As celebridades instantâneas comuns na sociedade contemporânea acabam engrossando a lista dos indivíduos frustrados.

O fato de os atores não terem que seguir o ensino tradicional, não os demite da obrigação de ter um mínimo de instrução e cultura, pois só assim se chega ao estrelato. É preciso estar sempre atento ao que acontece, ler bastante, assistir a muitos filmes de estilos e épocas variadas, enriquecer a bagagem cultural para que faça o seu serviço da melhor maneira.

Afinal, qual é a função do ator? Interpretar vidas distintas das suas, personagens com características opostas ou mesmo inadmissíveis para eles, se transportar para uma outra cidade, país ou época da maneira mais verossímil possível a fim de fazer com que o telespectador mergulhe com ele nesse universo e esqueça do que acontece na vida real.

Por mais que a pessoa tente fugir do estudo, por mais que diga que odeia cultura, ela não tem como fugir. Para tudo nessa vida é preciso aprender algo, saber algo porque é essa troca de saberes que faz o mundo girar. Até para ser político e roubar do povo é preciso ter sapiência e esperteza para não acabar desmascarado nas páginas dos jornais.

24 de mar. de 2009

Vale Cultura

Foi preciso mais de duas décadas de democracia para o governo brasileiro se dar conta da necessidade de se valorizar a cultura nacional, facilitando o acesso aos bens culturais e garantindo incentivo igualitário para os projetos culturais de todas as regiões do País. Pesquisa realizada em 2008 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que 90% dos municípios brasileiros não possuem qualquer tipo de espaço voltado à cultura.

Isso quer dizer que das 5.564 municipalidades que compõem o território nacional cerca de cinco mil não têm cinema, teatro, museu ou espaço destinado à produção cultural. Ou seja, milhares de indivíduos nunca foram ao teatro ou assistiram a uma exposição de arte. Alguém pode pensar que isso não significa nada, mas se entendermos que a cultura é fundamental para a formação da identidade nacional, esse dado passa a ser bastante significativo.

Significa que mais da metade do País não se entende como nação e isso é muito grave. É a identidade nacional, a compreensão do que é a cidadania que faz as pessoas se sentirem parte de seu grupo, de sua comunidade, valorizando a sua auto-estima. Os dados da pesquisa do IBGE são alarmantes e, finalmente, o governo federal se deu conta disso.

Diante dessa informação (e de muitas outras que o IBGE forneceu e que são de arrepiar os cabelos) o Ministério da Cultura (MinC) elaborou um projeto que prevê mudanças na Lei Rouanet. A Lei Rouanet é aquela que prevê incentivo a empresas e indivíduos que queiram desenvolver algum projeto cultural. Entre outras medidas, a lei prevê dedução do imposto de renda do valor investido na execução do projeto.

A medida que mais se destaca na nova proposta é a criação do vale - cultura, no valor de R$ 50, que deverá ser distribuído aos funcionários nos moldes do vale – refeição. A ideia é que o indivíduo gaste esse dinheiro em bens culturais como livros, CD’s, ingressos para cinema, shows, concertos e peças teatrais. Isso seria muito bom porque facilitaria o acesso do grande público a esses bens que, hoje, apresentam preços inacessíveis para as classes menos favorecidas.

Outra proposta do projeto de renovação da lei de incentivo à cultura é tornar a distribuição dos recursos federais mais igualitária entre as regiões geográficas, já que hoje as regiões Sul e Sudeste ficam com 80% das verbas e as outras regiões têm que se contentar com o que sobra.

A proposta de mudança na Lei Rouanet está aberta à consulta pública e ainda não se sabe ao certo como que ela vai funcionar na prática, mas o motivo que me leva a escrever este post é, simplesmente, a iniciativa. Por mais que as novidades ainda não estejam bem esclarecidas e os produtores culturais estejam receosos com as propostas do MinC, a iniciativa já é louvável. Ainda que tenha vindo tarde.

Vamos torcer para que surjam mais iniciativas desse porte porque o Brasil só tem a ganhar.

23 de mar. de 2009

Crise ambiental

Ventos destruidores, ondas gigantes devastadoras, temporais fora de hora, enchentes que levam móveis, sonhos e vidas, avalanches, cidades ameaçadas pelo aumento do nível dos mares e toda sorte de fenômenos naturais que ficaram completamente bagunçados nos últimos anos. Tudo causado por um único motivo: aquecimento global.

Ok, eu sei que você já está cansado de ouvir falar nisso, mas é preciso falar sempre mais porque parece que a maioria das pessoas ainda não se deu conta de que nós somos os culpados de famigerado mal. O homem destruiu aquilo que tinha de mais valioso: a natureza.

Em nome do tal progresso, devasta-se a Amazônia, corta-se árvores sem qualquer critério, entope-se os grandes centros de indústrias fumegantes liberando gás carbônico e poluindo o ar e não se cria uma ruguinha se quer na testa quando um produto químico, altamente tóxico é despejado no mar, matando os animais que ali têm seu habitat natural.

As pessoas estão dando de ombros para isso e continuam a manter seus carrões importados desfilando pela cidade para ir de casa à padaria, jogam papel no chão e na primeira enchente repetem o discurso para lá de hipócrita culpando o governo. Como diz a “boca pequena”, sentam-se no próprio rabo para falar do rabo alheio.

Longe de demitir o governo de sua culpa por não realizar as obras e as políticas ambientais necessárias, estou aqui para mostrar que estamos todos no mesmo barco que logo se afundará numa dessas enchentes (quiçá, numa tsunami). A grande verdade é que todos nós temos parcela de culpa no caos ambiental que estamos enfrentando e que tende a piorar para as gerações vindouras.

“Ah, o Brasil é um país abençoado, não tem furacão, terremoto, nevasca, nada disso”. É assim que escondemos nosso egoísmo. Que se dane os animais que morrem nos mares do mundo todo por conta da poluição, que se danem aqueles que perdem as suas casas por causa da chuva, que se danem...

Que se danem os mortais individualistas e auto-centrados cujas mentes não vão além do próprio umbigo! Os animais que morrem lá alteram a cadeia ambiental no mundo todo, aquela velha história da borboleta que bate as asas aqui e causa um terremoto na Índia nunca foi tão verdadeira.

É preciso redefinir o conceito de progresso e realizar ações que não prejudicam em nada, nem alteram sua rotina diária. O Fantástico do último domingo lançou uma questão que merece ser considerada. O que é progresso: ter um carrão e viver numa cidade onde ninguém respeita ninguém ou andar de bicicleta e respirar um ar puro e ter uma vida mais digna?

Atitudes triviais como jogar lixo no lixo, não usar embalagens plásticas além do necessário, andar mais a pé ou de transporte público deixaram de ser meramente uma questão de educação para alcançar status de preservação da humanidade. E isso não é exagero, é uma constatação. Mais do que uma crise econômica, passamos por uma crise ambiental muito mais grave e de consequências muito mais cruéis. É preciso repensar nossos valores e prioridades.

21 de mar. de 2009

Juiz de Fora e a cultura




Em 1909 um grupo de 12 intelectuais entre jornalistas, literatos, homens públicos, profissionais liberais e militantes da cátedra e dos tribunais se uniram em torno de um nobre objetivo.

Ligados às artes e à cultura, esses homens acharam que era necessário criar um órgão capaz de preservar a língua portuguesa. Os objetivos principais eram o culto, a defesa e a sustentação da pureza da língua e a produção intelectual na sua plenitude e variedade.

Visionários e vanguardistas, esses intelectuais mineiros criaram a Academia Mineira de Letras em... Juiz de Fora. Exatamente. No interior de Minas Gerais a cidade, que hoje só aparece no mapa quando algum prefeito é inapto para cometer os habituais crimes políticos e dá as caras em todos os noticiários nacionais, foi palco de movimentos culturais fundamentais para o desenvolvimento da sociedade.

Que a cidade já foi importante no cenário econômico todo mundo sabe, mas a Manchester Mineira é hoje uma vaga lembrança na mente dos meus conterrâneos. É “apenas” história, muitas vezes difícil de acreditar quando nos deparamos com o cenário sócio-econômico atual da cidade.

A cultura, então... essa nem é lembrada pelos nativos da antiga Princesa de Minas. Falar que Juiz de Fora já foi pólo cultural é quase um devaneio para quem vive na cidade atualmente, mas isso é verdade. E – pasmem - se hoje ela já não é mais um pólo cultural, ainda é reconhecida pelos artistas nacionais como um grande centro produtor de cultura.

Mas então, de onde vem esse preconceito com a cultura local? Creio que o grande ponto seja o fato de que fomos ensinados a valorizar o que vem de fora e relegar o que produzimos a segundo plano. Basta ver o que aconteceu com a cantora Ana Carolina.

Nascida e criada em Juiz de Fora, a cantora ficou anos esbanjando seu talento pelos bares e palcos da cidade sem qualquer reconhecimento da mídia ou mesmo do público. Bastou a moça aparecer em programas de auditório de nível nacional para tudo que é juizforano bater no peito e dizer: “ela é da minha cidade!”.


O que acontece na cidade é uma espécie de xenofobismo ao contrário. Ao invés de atacarmos o que vem de fora, idolatramos, exaltamos como se tivesse um valor incontestável. Tudo o que é produzido no eixo Rio - São Paulo chega para os juizforanos com status de incrível, basta prestarmos atenção na diferença de público que existe entre os eventos nacionais e os locais.

Não estou aqui atirando pedra no que vem de fora, ao contrário, também sou fã dos artistas de reconhecimento nacional. Minha crítica é e sempre foi o preconceito que temos com o que é nosso. Pagamos preços absurdos para um show de um artista às vezes nem está mais entre os “top 10” das rádios, mas regulamos gastos para a apresentação daquela banda incrível, que tem músicas que nos tocam muito mais porque ele é da terra.

Mas se ele cresce, tem música na trilha sonora da novela, pronto. Vira celebridade e orgulho dos juizforanos. Aposta quanto que Josy Oliveira, que já tinha talento antes, vai voltar para a terrinha super badalada, dando entrevista para todos os veículos de comunicação da cidade e que os shows dela ficarão abarrotados quando ela sair do BBB?

Acho que está na hora de revermos nossos conceitos e prestarmos mais atenção ao que nos rodeia. A Juiz de Fora do século XXI está longe da efervescência cultural dos anos 60, dos movimentos literários, de O Pasquim e companhia, mas há muita coisa boa sendo produzida por aqui, basta sabermos procurar. Quer exemplos?

A banda Operação Tequila, a cantora Myllena, Bruno Nogueira. Artistas de outras artes, fora da música? Gerson Guedes, Heloiza Curzio, Marcus Marchiori, Márcia Falabella... e por aí vai...




Provavelmente, muitos habitantes de Juiz de Fora nunca ouviram falar desses nomes e nem fazem ideia do que eles representam para as artes locais, mas são artistas de primeira linha, com tanto talento quanto aqueles que você vê em revistas de celebridades.

A arte não tem fronteiras e não há lei que determine que cidades do interior não possam produzir talentos. E sem essa de que Juiz de Fora não tem cultura. Onde quer que haja um povo a cultura está presente. Nem melhor nem pior do que nos grandes conglomerados, apenas diferente. E é isso que faz do Brasil uma nação tão rica.

18 de mar. de 2009

(In)dependência moderna

Antigamente as mulheres eram criadas para serem esposas e mães. Ao longo da vida aprendiam a lavar, passar, cozinhar, ser tolerante, arrumar a casa, ser uma esposa para o marido, uma boa mãe para os filhos. Aos homens cabia o papel de prover a família através de seu trabalho.

Acontece que essas mesmas mulheres se cansaram dessa rotina monótona e lá pelas tantas foram para a praça queimar sutiãs, exigir seus direito e lutar por um lugar no mercado de trabalho. Educaram suas filhas para estudar, fazer faculdade, ter uma profissão que as livrassem da terrível dependência masculina.

E assim foi. Essas meninas fizeram faculdade, estudaram inglês, fizeram ballet, foram trabalhar, fizeram pós-graduação, se especializaram o máximo que puderam, conquistaram um bom emprego, independência financeira e... foram morar sozinhas.

E aí começou o problema. As lindas profissionais gabaritadas, poliglotas e muito safas na vida pessoal mal sabiam pegar no cabo de uma vassoura. Ok, elas têm um emprego, mas o salário está longe de permitir luxos como uma empregada doméstica (vivemos no Brasil, baby!). E ainda que permitisse: como ensinar o que não se sabe fazer?

E aí, vem a novela das oito nos brindar com hábitos de uma cultura diferente e a mulherada nacional diz que é um absurdo essas mulheres viverem exclusivamente para seus maridos. E bate no peito para dizer que não sabe nem fritar um ovo, que passa longe de faxina etc., etc., etc.

Acontece que a cozinha é um lugar que toda mulher moderna deveria conhecer. Se não para cozinhar para marido e filhos, que seja para cozinhar para si mesma. Afinal, até para se fazer uma saladinha com uma carne grelhada é preciso ter algum conhecimento de temperos e panelas.

Depois de décadas de uma submissão cega ao sexo oposto, as mulheres passaram a acreditar que independência é uma questão meramente financeira e não é. Ser independente é poder manter uma casa pagando todas as contas de aluguel, luz, condomínio, telefone, internet mais as despesas pessoais com alimentação, médico e remédio, sim.

Mas não é independente aquela que faz tudo isso, mas almoça na casa dos pais, leva a roupa suja para a mãe lavar toda semana e só vê um sinal de organização na casa depois da visita materna. A mulher ou o homem (sim, meu bem, os homens estão no mesmo bojo) que vive nessas condições continua sendo um dependente da família.

Num mundo moderno e sem fronteiras, homens e mulheres devem ser independentes em todos os sentidos. Financeiros, emocionais e práticos. Um representante do sexo masculino que se diz independente deve saber lavar, passar e, pelo menos, se virar na cozinha.

Os homens quando saíam de casa, passavam por esse aperto de não saber se virar longe da mamãe, mas essa “ignorância doméstica” era permitida para eles. Para as mulheres, não. Esse é um valor que, bem ou mal, ainda prevalece na cabeça da maioria das pessoas que se esquece de que as mulheres de hoje foram preparadas para serem homens de saias. As diferenças entre os sexos deixaram de ser respeitadas no que diz respeito à educação.

Passamos por uma crise de valores e ninguém percebeu. Ou se percebeu, ignorou. As mulheres frutos da geração “nós somos iguais a eles” devem lembrar que cuidar da casa é tão importante quanto ganhar dinheiro porque ninguém vive num chiqueiro e não há organismo (nem conta bancária) que resista a sanduíche todos os dias.

Ao contrário do que possa parecer, não sou uma machista retrógrada. Muito pelo contrário. Acho que essa cultura que obriga o homem a dar o sustento da família e a mulher a cuidar do lar é extremamente ultrapassada. O que defendo aqui é o direito (para não dizer o dever) de homens e mulheres se virarem sozinhos em uma casa. E que, quando casados, dividam todas as tarefas.

E quando eu digo todas, são todas mesmo, desde as contas até as louças empilhadas na pia. Isso, sim, é ser moderno, isso, sim, é ser igual. Só dessa forma as diferenças são respeitadas e o serviço dentro e fora de casa não pesa para nenhum dos lados.

Repetir velhos padrões ou abandoná-los de vez são atitudes muito radicais que só servem para mostrar a falta de preparo de homens nem mulheres para serem realmente independentes como tanto querem.

16 de mar. de 2009

O fascínio das novelas

Nunca fiz nenhum estudo estatístico, mas, empiricamente, ousaria dizer que nove em cada dez brasileiros são fãs de uma boa novela. E aí se incluem homens e mulheres (com primazia delas, claro). E esse fato é perfeitamente compreensível.

O que acontece é que a cultura de massa torna a realidade mais bonita, faz os sonhos, ilusoriamente, possíveis através de um produto rico, sedutor – ainda que inconsistente. Quem de nós nunca se colocou no lugar da moça pobre, trabalhadora, de hábitos modestos que se apaixona pelo homem rico, inteligente, bem vestido – e hetero, claro!- e que consegue realizar esse amor?

E quem nunca pensou: “Isso poderia acontecer comigo!” quando, diante da TV vê a história de um personagem que não nasceu em berço de ouro, mas trabalhou, lutou e conseguiu construir um império, tornando-se rico e poderoso?

Se você é um desses mortais que ri, chora e sonha com as telenovelas padronizadas cujo final é perfeitamente previsível, não se acanhe. Elas são feitas justamente para isso. Produtos típicos da indústria cultural, as novelas são criadas para alimentar desejos e, principalmente, o consumo, que vem na mesma esteira, garantindo o bom funcionamento da máquina capitalista.

E, assim, a indústria cultural vai criando mecanismos de sublimar a dor da impotência, imposta pela dura realidade nacional, através do riso, da lágrima, enfim, da emoção. Usando o amor como pano de fundo, as novelas mobilizam o País com suas tramas rasas, entremeadas de muito sexo, violência, certa dose de romantismo e a certeza de que todos viverão felizes para sempre no final.

Isso acontece porque a gente se reconhece nas telas, vê expostas as nossas mazelas e a superação das mesmas, o que nos dá certo conformismo, afinal, se a vida está ruim agora, vamos continuar lutando que lá na frente tudo se resolve. Essa é a mensagem implícita em toda novela.

Claro que isso não está de totalmente equivocado. Temos que ter fé no labor diário e acreditar que as coisas vão melhorar, o problema é quando as pessoas se regozijam da glamourização da violência, por exemplo, e encaram aquilo que veem na TV como uma verdade absoluta.

Dada a sua penetração, as novelas têm a função de eliminar os pontos de conflitos existentes na sociedade, inserindo os valores já existentes nela de uma forma mais “democrática” em todos os pontos do País, a fim de restabelecer a ordem. E nisso elas são muito eficientes.

Daí a importância de personagens que tragam temas como a gravidez na adolescência e o alcoolismo no passado ou o homossexualismo e a clonagem mais recentemente. A polêmica que tais abordagens trazem é considerada ousadias dos autores e geram reações veementes, no entanto, forçam a discussão e aquilo que era considerado “diferente” passa a fazer parte do cotidiano das pessoas naturalmente.

O fato é que a TV não cria valores, ela reforça o que já existe para tentar reduzir o preconceito e tornar algumas situações que, longe de terem o caráter maniqueísta do que é certo ou do que é errado, são reais e merecem uma discussão.

Considerando essa função social das telenovelas, não se pode apontar o dedo para elas fazendo só críticas. É preciso admitir que elas contribúem para a cultura do povo brasileiro, que são capazes de promover algumas transformações no comportamento das pessoas, mas, mais uma vez, fica o apelo: ao se deleitar diante dessas tramas apaixonantes e envolventes, não esqueça o senso crítico.

Novela não é realidade, por isso, antes de sair por aí reproduzindo o comportamento de seus personagens favoritos ou usarem-nos como justificativa para os seus atos, faça uma análise crítica, desconsidere as cargas exageradas de drama, humor ou suspense e reaja ao que está vendo.

Por mais que queira se aproximar da realidade, as tintas são sempre mais carregadas do que deveriam nas novelas, porque elas fazem parte da categoria entretenimento. Se fossem relatos da vida real, seriam telejornais. Pense nisso!

15 de mar. de 2009

Reflexões sobre a arte e a sociedade

"Tudo o que é sólido se desmancha no ar”
(Karl Marx)


Conta a história que na era medieval a arte era adorada enquanto manifestação de um dom divino, possuindo valor de culto. Dessa forma, ela adquiria uma originalidade e uma autenticidade que a fazia única.

No entanto, os tempos modernos vieram se contrapor a esse caráter ritualístico quando trouxeram novas tecnologias capazes de reproduzir fielmente a obra de arte que antes estava num status de criação divina.

Se você tem uma fotografia do quadro Monalisa, tecnicamente, não precisaria ir ao Louvre para conhecer o original. Se tem acesso à cópia digitalizada de Cem Anos de Solidão, não precisa comprar o livro de Gabriel Garcia Márquez e por aí vai, certo?

Sim, mas apenas em parte. Se por um lado as reproduções técnicas tornam tangíveis os grandes clássicos das artes, por outro, faz perder alguns detalhes que dependem do momento exato em que foi criado, é o que os críticos mais rigorosos chamam de “aura do objeto artístico”. Essa o indivíduo só terá acesso se estiver no Louvre ou onde quer que esteja a obra.

Mas aí fica uma questão: será que isso faz mesmo diferença? Se eu consigo ler o livro e captar a mensagem que ele quer transmitir, o que importa se é uma cópia ou um original? Se a arte foi feita para ser apreciada pelo maior número de pessoas possível, se ela tem que ir “onde o povo está”, então, que a tecnologia venha para cobrir essas lacunas e tornar tangíveis obras que antes eram adoradas à distância.

Acontece que no instante em que o criador passou a ser suplantado pelo reprodutor, mudou - se todo o estatuto da arte porque quebrou a sua unicidade, dando-lhe potência para ser algo além de um ritual. A arte tornou-se uma prática: a política. E isso é grave.

Nós só conhecemos a arte sob esse aspecto político e por isso é difícil aceitar a crítica que se faz a esse processo. Mas é preciso entender que a arte deixou de existir por ela mesma para assumir um objetivo, normalmente, atrelado aos interesses do mercado. Assim como todos os produtos da modernidade, a arte passa a ser uma manifestação efêmera e o artista passa a ser um espelho dessa sociedade onde tudo é fugaz.

Se antes a cultura era uma forma de se construir algo novo alicerçado na desconstrução de um conceito que já não atende à vontade das pessoas, a indústria cultural veio solapar esse caráter contestador do artista.

Nesse contexto, é preciso uma reflexão crítica sobre a sociedade para que os valores não se percam no caminho. E a quem cabe essa função? Aos intelectuais? Aos professores? Aos jornalistas?

Essa função, meus caros, cabe a qualquer indivíduo capaz de pensar de forma racional e coerente o mundo em que vive visando o progresso. Somente através da educação e do espírito crítico alcançamos o verdadeiro progresso, aquele que faz a nação andar para frente.

Ao lermos o jornal, assistirmos a TV ou acessarmos um blog temos que ter em mente que o que está sendo veiculado ali, não é uma verdade absoluta. Este post pode ser um grande amontoado de bobagens, mas se lhe fez pensar sobre o assunto, já cumpriu a missão a que se propôs.

12 de mar. de 2009

Fábrica de heróis

O assunto do momento no meio esportivo é a volta de Ronaldo “Fenômeno” (?) para os gramados. “Fenômeno vai voltar, não vai?”. Pois bem, ele voltou, jogou, fez gol e a mídia já o apresenta como herói do Corinthians.



O balzaquiano jogador - que já teve casamento relâmpago, engordou, emagreceu, operou joelho (os dois), engordou de novo, teve mil e uma namoradas, ficou sumido dos noticiários esportivos, se enganou com garotas (ou seriam garotos?) de programa, teve passagem polêmica pelo Flamengo, fechou com o Corinthians, encarou um ano de fisioterapia pesada, emagreceu de novo, voltou aos jornais por causa de uma farrinha boêmia antes do jogo, foi suspenso e, finalmente, voltou ao campo (ufa!) - é cauteloso e sabe que ainda não está no seu melhor momento.

Depois de tudo o que passou, o rapaz sabe que ainda falta muito para voltar a ser aquele jogador que empolgava a garganta de Galvão Bueno. Por que então ainda somos obrigados a ver manchetes enaltecendo o jogador, elevando-o ao status de herói? Ok, o cara é duro na queda, se esforça para voltar, mas convenhamos, ele tem mais de 30 anos e isso pesa para qualquer mortal, mesmo para os atletas.

Mais do que admiração pelo atleta extraordinário que ele foi, mais do que torcida para que ele se recupere logo e volte à boa forma de antes, desconfio que essa histeria em torno de sua volta ao futebol (em especial, o brasileiro), tem razões um pouco mais profundas. O fato é que na falha memória histórica do brasileiro não povoam grandes heróis, apenas o esporte é capaz de tal façanha, mesmo estando tecnicamente deficiente.



O caso Ronaldo é apenas o mais recente, para não dizer constante, considerando que o Brasil é “o país do futebol” e tudo que se refere ao esporte merece destaque em qualquer época do ano, mas em 2008, o garimpo por novos heróis nacionais se repetiu e em 2012 a história dará sequência porque sempre foi assim e, infelizmente, parece que sempre será.

As Olimpíadas são o maior evento esportivo do mundo, mobilizam os mais variados tipos de atletas que, teoricamente, estariam ali em condições de igualdade, afinal, tiveram o mesmo tempo para treinarem. Acontece que essa é uma visão romântica e idealizada da situação porque na prática as diferenças entre desenvolvidos e subdesenvolvidos ficam ainda mais evidentes em eventos como esses. E por quê?

Porque o diferencial está na verba, na técnica, no espaço físico, enfim, na infra-estrutura que cada nação tem à sua disposição. Um atleta norte-americano, por exemplo, treina desde criança num programa que inclui alimentação balanceada, acompanhamento médico, psicológico, técnicos bem formados, amplos e bem equipados ginásios, apoio da família, do governo, da escola, do empresariado.




No Brasil, os grandes potenciais esportivos quase sempre são descobertos “treinando” nas ruas, em um campo de várzea ou numa praça qualquer. Quando em algum pequeno centro esportivo estão é porque suas famílias – normalmente desestruturadas – quis afastá-los das drogas. Seu talento nem de longe é consequência de uma alimentação saudável.

De dois em dois anos, um evento esportivo mobiliza o Brasil, fazendo emergir no povo um sentimento de nação, um amor à pátria numa transferência de responsabilidades. Ao invés de esperarem mudanças vindas do governo, veem nos pés, mãos e braços dos atletas a grande transformação social.

É como se no momento do gol, cada pé cansado de tanto andar em busca de emprego em tempos de crise pudesse se regozijar, ter um instante de sucesso na vida. É a catarse absoluta. Passa o mês esportivo e o calejado trabalhador tem de dar novamente com os costados na realidade. E os atletas? Esses coitados, depois dos seus 15 minutos de fama passam os próximos anos relegados ao ostracismo.



O esporte está – e sempre esteve – no imaginário coletivo como instrumento de um nacionalismo quase ufanista que tem prazo de validade, é extremamente perecível. E os governos, claro, se aproveitam desse momento de euforia para engabelar os eleitores com falácias. Ou seria à toa que as Olimpíadas coincidem com as eleições municipais e a Copa do Mundo com as presidenciais?

Mas não vamos adentrar aqui em uma discussão sobre essa feliz coincidência, fazendo uma analogia entre a postura da mídia com a política do pão – e – circo. O fato a ser discutido aqui, é a fabricação de heróis pela mídia a cada novo evento esportivo. Se ter heróis é importante para a construção da identidade nacional, é preciso preservá-los, reconhecer suas fraquezas e, ainda assim, admirá-los, afinal, o Super Homem é sensível à criptonita e nem por isso deixa de ser um super-herói.


*As fotos deste post são retiradas do portal Terra

11 de mar. de 2009

A exclusão social por Adenilde Petrina Bispo

Mulher, negra e pobre ela é o retrato da exclusão social no Brasil. Ou pelo menos, deveria ser, se Adenilde Petrina Bispo fosse uma mulher qualquer. Dona de um senso crítico aguçado e de um discurso muito bem elaborado que sai de sua boca sem que seja preciso fazer força, Adenilde tem no hip hop a força de sua resistência.

Nós nos acostumamos a ver o estilo meio de banda, com receio e até com um certo medo os adoradores dessa música mais falada do que cantada, entoada de uma forma rápida, quase inteligível, mas bastam cinco minutos de conversa com Adenilde para entendermos que este é um estilo que vai muito além de estereótipos forjados pelos filmes americanos.

Na periferia de Juiz de Fora ela fala mais alto e luta por tudo o que acredita, enfrentando toda sorte de preconceitos. Tudo em nome de uma causa que não é só dela, mas de muitos outros. "O hip hop é um caminho de eu levar informação para eu conseguir atingir meu objetivo de vida que é o fim das desigualdades, do racismo e do preconceito de qualquer espécie", diz.

Num bairro onde reinavam violência e preconceito contra homossexuais, ela, através de suas idéias e de sua voz conseguiu reverter o quadro na época em que a Rádio Mega ainda estava no ar. Rádio comunitária, que há mais ou menos seis anos teve que sair do ar.

Desde aquela época, Adenilde trabalha com seus ouvintes e seguidores os cinco elementos do hip hop: break (dança), grafite (artes plásticas), MC (responsável por apresentar a cultura para a comunidade), DJ (responsável por pensar as bases da cultura), rap (poesia) e a informação, incrementada recentemente.

E para quem desbanca a relevância da informação na cultura hip hop, a guerreira dispara: "Não adianta trabalhar os quatro elementos sem informação. Temos que estudar, conhecer a nossa história para poder manter os elementos unidos e enriquecer a nossa cultura. Sem estudo nada dá certo".

Não satisfeita com o fim da Rádio, Adenilde continua realizando reuniões, em sua casa mesmo, para discutir temas como racismo, preconceito, desigualdades, oposição entre centro e periferia, homossexualismo etc. Com isso ela espera mudar a consciência da sua comunidade e convencer os jovens a trocarem a violência e a bandidagem pela arte e pela cultura hip hop.

Sua inspiração está nos fatos. Adenilde garante que houve redução da violência contra os homossexuais do bairro e também do consumo de drogas desde que essas reuniões começaram. "Muitos de nossos jovens largaram as drogas para investirem no hip hop: tem grafiteiro dando oficina, outro menino ensina break em uma companhia de dança que ele mesmo criou...".

Exemplos como o de Adenilde me fazem ter orgulho de ter nascido em um país tão rico e tão plural no que se refere a manifestações culturais. Enquanto alguns políticos diplomados e engravatados envergonham a nação publicamente, histórias de garra, coragem e amor ao próximo ploriferam na clandestinidade. Ninguém fala deles.

Como flores no asfalto, essas iniciativas resistem à poluição que cristaliza as mentes, ao vaivém de automóveis que desvia a atenção para o que acontece ao lado e colorem a realidade nacional com matizes múltiplas, suaves que me fazem bater no peito com orgulho e repetir a manjada frase usada como campanha governista, mas que faz todo o sentido: “Sou brasileira. Não desisto nunca”.

Não desisto de lutar, não desisto de descobrir outras tantas Adenilde’s escondidas nos rincões desse país e escancarar seus feitos a quem quiser conhecê-los.Não desisto de aplaudir a sapiência humana que ultrapassa livros e cadernos. Sou brasileira e não desisto nunca de ver esse país deixar de esperar o futuro que nunca vem.

Futuro que já chegou. E a velha máxima "o Brasil é o país do futuro" continua a ser repetida como aquela promessa de campanha que jamais se cumpre, mas que satisfaz os momentaneamente os eleitores, dando-lhe a falsa esperança de que dias melhores virão.

10 de mar. de 2009

Hoje tem marmelada?!


Foto: Josemar Lucas

Gente, o circo ainda existe vocês acreditam?! Não, não estou falando do circo diário que nos acostumamos a ver no Congresso. Falo daquele circo genuíno que faz gargalhar as crianças. Aquele bom e velho circo com elefante, mágico, palhaço e pipoca.

Ele permanece vivo mesmo em tempos de playstation’s, wii’s e X-box’s e isso não deixa de me espantar. Com total acesso a informação via TV, jornais, revistas e internet, eu podia jurar que as crianças de hoje já não se seduziam mais com mulheres sendo divididas ao meio, coelhos saídos da cartola e palhaços dando banho de confete na platéia, como se fosse xixi.

Ainda mais depois do surgimento do Mister M. que insiste em desvendar os mistérios das mágicas mais surpreendentes, mostrando, talvez cedo demais, o quanto a vida é dura.

O anúncio do Gran Circo Pipoca, que se apresenta em Juiz de Fora no próximo dia 15 me trouxe à mente – além das emoções vividas "na aurora da minha vida", parafraseando o poeta – a lembrança de Neli Aquino. Mulher de múltiplos talentos que vê na arte do palhaço a sua maior virtude.

Com 42 anos ela, que já quis ser médica, é músicista, fotógrafa, formada em Letras, micro empresária e artista plástica (formada) se dedicou a um curso de palhaço e se enche de orgulho dessa função. Neli gosta tanto de ser palhaça que diz que se fosse preciso escolher apenas um de seus múltiplos talentos para se dedicar pelo resto da vida, essa seria a sua escolha.

E por quê? Sem titubear, ela responde: ”Eu acho o riso muito importante... você despertar o riso da outra pessoa através do seu ridículo, do seu lixo, é muito gostoso. Essa é a grande satisfação” – argumenta.

Neli não está falando do riso nervoso, debochado, mas daquele riso espontâneo, honesto que só as crianças sabem dar. Os adultos conseguem acompanhar aquelas gargalhadas estridentes e incontidas, mas o efeito neles é bem menos intenso. Isso porque o "mágico dos mágicos" do universo deles (leia-se: a mídia) desmistifica os encantos do dia-a-dia, mostrando uma realidade dura demais e poucas são as "nelis" da vida real que conseguem sublimar a pressão rotineira, a crise financeira e transformá-la em riso.

Um riso libertador, que expurga todos os pecados, as contas para pagar, o chefe exigente, os problemas de família, o casamento mal sucedido. Infelizmente, os anos vivido já nos travestiu tantas vezes de palhaço que já não há novidade nesse mister.

Vivendo no Brasil, todos os dias temos a nítida sensação de que somos palhaços há muito tempo. Mas por mais que os castelos “secretos” (que nada têm de encantados) façam com que a gente sinta arder o nosso nariz vermelho, é preciso ter em mente que, ao contrário dos políticos que nos ludibriam com cretinices esfarrapadas na TV, os artistas – palhaços estão aí para nos oferecerem um pouco de dignidade, ingenuidade e um riso puro, sincero e limpo.

Na verdade, se fossemos palhaços, sem dúvida alguma, seríamos mais felizes. Segundo Neli, quando se transforma em palhaço "a pessoa se despe do convencional e se assume autêntica, mostrando a sua ingenuidade, a sua fragilidade e seus defeitos. O palhaço se expõe muito e faz graça dos próprios defeitos", descreve.

Se hoje tem marmelada?! Basta abrir os jornais...

9 de mar. de 2009

Poesia de bolso


Sessenta e oito páginas. Cinqüenta e duas poesias. Formato pequeno que cabe no bolso da calça ou dentro de uma bolsa sem fazer muito peso. Amor, solidão, saudade e crítica social em versos. Livro pequeno, com poder de transformação. Assim pode ser resumido Vertigens do Tempo.

Publicado em 2008, com incentivo da Lei Murilo Mendes de Incentivo à Cultura, o livro é homônimo do poema que figura na contracapa do livro e traduz o que o poeta Hernani Tafuri (foto abaixo) pensa a respeito do processo de confecção de uma poesia (leia poema no fim deste post). Ele fala sobre um conflito interno que domina as emoções do eu - lírico de repente.


"A idéia de fazer poema é uma vertigem. A inspiração vem de repente e aquela idéia muda o seu pensamento como uma vertigem que corta o seu tempo, o seu movimento normal", diz.

Aos 26 anos, Tafuri já conta com uma vitória em um concurso internacional de peso no terreno poético. Considerando que o rapaz deu seu primeiro mergulho literário há apenas sete anos, na época do cursinho, podemos dizer que começou a carreira de escritor com o pé direito.

Fica a pergunta: o que faz um jovem de 19 anos com um mundo de oportunidades, baladas e micaretas sem fim “perder tempo” com literatura. Pior ainda, com poesia? A resposta vem logo na apresentação de Vertigem do Tempo: Escrevo com imenso amor e sou grato a todos aqueles que me emprestam, mesmo sem saberem, uma fração de suas vidas.

Eis aí, o grande mistério: Amor. E não estamos falando do amor platônico pela garota mais popular da escola ou do amor carnal por aquela vizinha que resolveu lhe dar bola. Os poemas de Tafuri não se resumem a isso. Além do amor, suas linhas transitam por universos ainda mais profundos.

Como todo artista, o jovem poeta tem uma alma sensível e inquieta que se ocupa de questões humanas, sociais e filosóficas profundas. Suas linhas, rimadas ou não, traduzem sua preocupação com as emoções que o ser humano carrega e com o uso que faz delas.

Crítico, o rapaz não se envergonha de dizer que das cinco dezenas de poemas selecionados para o livro, apenas duas poesias
dispensam retoques. Trata-se de Um amor, uma rosa e Quanto Vale?

“Em todos os outros tem algo que pode ser mudado. É uma reticência que sobra aqui, uma palavra que poderia ser modificada ali... nesses dois isso não acontece. Eu leio e digo: ficou bom mesmo!", confessa.


Sobre sua preferência pela literatura, Tafuri garante que não está sozinho. “Os jovens gostam de poesia, mas não têm muito acesso e voltam-se para a música mesmo.” Para ele, o que falta são poetas que se mostrem em saraus, que não trancafiem suas poesias dentro de um baú secreto. “Falta que os poetas tenham iniciativas de criar movimentos como os que aconteciam no passado, diz.”



Quem se apega ao tamanho dos livros de poesias e à complexidade das mesmas para fugir de tal leitura, fica aí uma dica. Não há construções de difícil entendimento. A poesia de Tafuri é feita para os mortais comuns como eu e você. Para quem não está acostumado a esse tipo de leitura, pode ser um bom começo.



Vertigem do tempo


Vertigem do tempo, vertigem:
segundo a segundo formando
um minuto a minuto formando
uma hora, um dia, uma vida...

Vertigem do tempo, vertigem:
quem sou? O que resta
de mim nesta pálida figura
que versa, que chora,
que atravessa o mundo
com o tempo pingando
dos olhos como lágrimas
construindo o arrebol
de um sol atômico?

Vertigem de mim, vertigem:
o que crio sou eu? O que faço
perde-se no vazio
do silêncio contido no
eu te amo de sempre, no
vá e não volte, suporte
imperfeito para o esquecido
solilóquio inaudível?...

Vertigem do tempo, vertigem:
onde estou?

Hernani Tafuri








Interessados em adquirir o livro, basta enviar e-mail para: hpoeta@yahoo.com.br

8 de mar. de 2009

Desafios da mulher moderna no século XXI

"Que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das mulheres ? Ontem, para mutilar, amordaçar, silenciar. Hoje, para manipular, moldar, escravizar aos estereótipos. "
(Rita Lee)

Leia texto na íntegra.



Em 1975 a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou o dia 08 de março como Dia Internacional da Mulher, em homenagem às 130 mulheres incendiadas em manifestação em prol de melhores condições de trabalho, em uma fábrica de tecidos lá no início do século XX.

O fato mostra o quanto a mulher recém-chegada ao mercado de trabalho sofria fortes repressões. Quase cem anos depois - apesar de todas as conquistas obtidas - a mulher ainda é vítima de preconceito, desrespeito e desigualdade dentro da sociedade contemporânea. Para o cientista político Diogo Tourino (foto abaixo), falar em opressão no século XXI é um rótulo abrangente.

As mulheres conseguiram sair de casa, enfrentar o mercado de trabalho, conquistar independência financeira, mas ainda não podem se dizer iguais aos homens. "As questões relacionadas à casa, ou seja, à reprodução da vida em sociedade ainda estão muito concentradas nas mulheres, aspectos domésticos ainda estão sob os cuidados delas", diz Tourino.

As mulheres se livraram do avental sujo de ovo, mas não escapam de quebrá-los. Hoje ela tem que fazer o mesmo bolo de antes, mais as outras atividades profissionais. Para Tourino "imaginar que tarefas mínimas como quem vai cuidar das crianças e quem vai colocar o sustento para a família ainda é uma questão circunscrita a um papel vinculado ao sexo é colocar em questão se a mulher, de fato, conseguiu a sua emancipação nos anos 60".

Boa esposa, boa mãe, boa dona de casa, boa profissional, linda, bem arrumada, perfumada, magra e com o cabelo impecável. Todas essas são exigências feitas à mulher moderna. E a sociedade se orgulha, bate no peito para dizer que a mulher conseguiu se livrar da opressão que a tolhia décadas atrás.


Para a jornalista Cláudia Lahni (foto ao lado) existem duas saídas para essa situação de desigualdade entre homens e mulheres. Uma diz respeito à participação feminina em entidades que lutem por mudanças em relação às mulheres. A outra questão é relativa a uma postura pessoal.

"A mulher tem que assumir a decisão pela igualdade. E nesse ponto, é muito importante a participação não só das mulheres, mas também dos homens, no sentido de a gente ter uma sociedade mais justa, mais igualitária. Que cada um e cada uma assuma essa decisão de participar de uma sociedade igualitária sem preconceito de nenhuma ordem. Isso significa uma ação e uma decisão pessoal no sentido do não-preconceito, da não-injustiça, enfim, da igualdade", acredita.

O mais importante nessa eterna luta entre os sexos é entender que homens e mulheres jamais serão iguais. E não se considera aí, apenas as diferenças biológicas, estamos falando de comportamento, maneiras de pensar, de criação, de hábitos culturais e tudo o mais que faz a vida ter graça. Ao invés de ficarem lutando eternamente, homens e mulheres deveriam unir suas energias em nome de uma vida melhor.

O que seria das mulheres sem o jeito de sabe-tudo dos homens e o que seria dos homens sem a eterna meiguice feminina? Fundamental mesmo é que homens e mulheres se respeitem em sua individualidade, em suas potencialidades e limitações para que a sociedade possa, realmente, se considerar "moderna". Afinal, modernidade nada mais é do que um estado de espírito elevado e livre de preconceitos de qualquer espécie. Isso, sim é progresso!

No mais, Feliz Dia das Mulheres para todas as mulheres lindas, competentes e felizes. E Feliz Dia das Mulheres aos homens que têm a sorte de dividir a vida com um ser tão especial.

P.S.: Se você é uma mulher moderna, cansada de tantos deveres e obrigações que centenas de sutiãs queimados em praça pública lhe impôs, leia o desabafo Carta de Amélia. A autora é desconhecida, mas as reivindicações são bem pertinentes.

7 de mar. de 2009

Meta postagem

A modernidade e a tecnologia facilitaram as práticas rotineiras, o acesso à informação e ampliaram a rede de comunicação, mas diluíram o instante mágico do convívio, do contato com o outro. É inegável a funcionalidade burocrática de Orkut, MSN, blogs (como esquecer deles?) como também é inegável sua inutilidade no que tange as relações interpessoais.


Ok, esses artíficos aproximam as pessoas, possibilitam encontros e re-encontros, divulgam ideias para um sem-números de pessoas, mas o homem está perdendo a chance de se aventurar no encantador universo das pequenas ilhas humanas que cruzam seus caminhos diariamente. O mundo está às avessas! E as ilhas humanas tornam-se progressivamente inóspitas, numa cadência frenética e imperceptível.

Há muito o que se refletir acerca dessa clausura solitária na qual nos instalamos antes que o turbilhão do tempo trague nossas emoções, antes que ondas gigantescas engulam essas ilhas incríveis que nos tornamos.

É preciso ter em mente que a internet tem que ser uma ferramenta a mais nas relações, nos trabalhos, e não a única. Recentemente li um livro sobre publicidade no qual um dos autores escreveu logo nos capítulos iniciais: "A verdade está nas ruas". E é mais ou menos por aí.

Reclama-se tanto da suposta falta de cultura de Juiz de Fora, mas quantos de nós sai de casa para assistir a um show ou peça local? Quantos de nós sabe o que acontece embaixo do nosso nariz? E isso serve para todas as cidades.

Digo por mim mesma que só conheci um pouco mais da minha cidade quando, por força do trabalho, fui conhecê-la de verdade. Todo lugar está repleto de musicalidade, poesia, arte, basta que tenhamos bons olhos para enxergar. E é da arte que nasce as grandes reflexões que nos mantém com o espírito alerta.

Esta não é uma crítica à tecnologia, mas ao uso que fazemos dela. Temos que reavaliar nossa postura e garantirmos nossa sobrevivência nesse tempo confuso e acelerado em que vivemos.

6 de mar. de 2009

Sobre Zeca Baleiro

Para quem gosta de música e escreve sobre cultura e está em Juiz de Fora neste seis de março, é impossível passar batido pelo grande show do dia (ou da noite, se preferirem): Zeca Baleiro volta à cidade para mais um incrível show (que eu por força da minha conta bancária zerada, não poderei ir).


Enquanto fico aqui sonhando com as luzes, cores e altas doses de poesias de logo mais, vou divagar sobre o cara. Se fosse possível compará-lo a outros artistas da mesma envergadura, poderíamos dizer que Zeca Baleiro é fruto do mercado fonográfico recente, visto que seu primeiro álbum, Por onde andará Stephen Fry?, foi lançado em 97. Mas comparações são inúteis quando o assunto é Zeca Baleiro.


De todo modo, o artista se incluí no seleto grupo de exceções ao qual me referi no artigo anterior. Com uma batida ora suave, ora nervosa, suas letras são sutis e não seguem um único estilo. Zeca pode ser romântico, folclórico e de repente surpreender com um rock’n’ roll , um samba ou mesmo um rap. Tudo com a mesma competência e maestria.


À primeira vista, ninguém dá nada por esse maranhense decendente de sírios, apaixonado por balas (o doce mesmo. Daí o apelido que em nada lhe agradava e acabou virando a sua marca) que abandonou o comércio para se tornar música por pura paixão. Perspicaz, de personalidade forte e humor sagaz, Zeca é, ainda, dono de uma voz grave, daquelas que enche os ouvidos e a alma, transportando o ouvinte para um mundo à parte.


Nada comerciais, suas letras precisam de uma sensibilidade mais aflorada para serem “digeridas”. Não porque sejam rebuscadas, mas porque não são simples. Ele usa metáforas sutis para falar de coisas simples como a solidão ou o amor. Em meio a um lirismo raramente visto ele embute críticas sociais às vezes vorazes, às vezes camufladas de humor.


Zeca Baleiro não é uma unanimidade. Graças a Deus, porque já diria o sábio Nélson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”. No entanto, não existe um “eu gosto mais ou menos de Zeca Baleiro”. Quem gosta, gosta muito. Quem não gosta, não gosta e pronto. Ousado, inquieto, crítico, conectado a tudo o que acontece, Baleiro é um dos poucos Artistas, com “A” maiúsculo mesmo, daqueles que não se prende a rituais ou estilos, que sabe a importância da mudança e a quem tudo pode inspirar belas canções de letras e sonoridades.


Não satisfeito com a marca de cinco discos de ouro, três prêmios Sharp, três indicações ao Grammy, o prêmio maior da música, cerca de 700 mil cd’s vendidos e uma série de mais de 800 shows que tiraram de casa mais de um milhão de pessoas, Baleiro se aventura pelas artes literárias e planeja lançar um livro em 2009 com os belos textos com os quais abastece seu site desde 2005. E o moço ainda pretende arrumar tempo para um programa de rádio, segundo informou em recente entrevista a um site local.


Se isso é muito? Pode ser, mas não me espantaria se amanhã ou depois a grande mídia divulgasse a manchete: “Livro de Zeca Baleiro está entre os mais vendidos”. O céu é o limite para esse artista versátil que adora cozinhar, ouvir músicas e não abandona suas raízes.


Zeca Baleiro é um homem de múltiplos talentos. Reservado, não faz questão de aparecer nas revistas com mulheres lindas e deslumbrantes, nem dá espaço para especulações sobre sua vida pessoal. Profissional, ele sabe que tem muito mais a oferecer para a sociedade do que munição para especulações sem sentido.


Para quem, por um motivo ou outro, não gosta de suas músicas, fica a dica para conferir seus textos. Para quem não gosta dos textos, que se deliciem com as músicas versáteis, inesperadas e belas. E para quem nunca ouviu falar de Zeca Baleiro, corra para o Google e descubra esse universo tão especial de talento, lirismo, poesia, irreverência e ousadia.

5 de mar. de 2009

A música e a modernidade

Cada momento por que passamos, cada pessoa de que gostamos, cada sentimento que se desperta dentro de nós possui uma trilha sonora específica que varia de acordo com as preferências e estilos individuais, talvez por isso a música seja quase uma unanimidade entre os seres humanos.

Através dos olhos, das vozes e das mãos dos artistas captamos impressões de mundo com as quais nos identificamos (ou não) e tentamos compreender os acontecimentos, aliviar as dores. Sem contar os inúmeros estudos já realizados comprovando os benefícios que uma boa melodia clássica pode trazer ao intelecto. Escrever letras, compor melodias e executar esse conjunto de forma harmoniosa são dons que possuem um poder extraordinário de transformação interna que está sendo esquecido por alguns músicos brasileiros da contemporaneidade.

Depois de embalar anos de protesto, de luta ideológica, paixões fervorosas e lindas histórias de amor a produção musical brasileira enfrenta um período crítico. Grande parte das músicas que figuram entre as mais tocadas no País se fazem valer de batidas contagiantes, refrões de fácil memorização e pouco (ou nenhum) conteúdo: rimas pobres e abordagens superficiais.


A música deixou de ser expressão artística, para se tornar produto e como tal, tem de atender as leis de mercado, segundo as quais vende mais o que é mais facilmente assimilado pelo público. A preocupação de parte das gravadoras é vender um produto final que seja de rápida aceitação, sem a menor preocupação com os efeitos produzidos pelas mensagens transmitidas. É preciso reconhecer que alguns selos independentes ocupam-se da boa música, aquela que instiga a reflexão séria, sem desconsiderar o prazer do entretenimento, porém, ainda apresentam uma expressividade muito tímida no cenário nacional.

O lirismo da Bossa Nova, a despretensão da Jovem Guarda e mesmo a suposta alienação da geração de 80 (muito em voga nos últimos tempos) têm seus repertórios revisitados constantemente – seja pelos jovens artistas em busca de mais consistência para o seu trabalho, seja pelos já consagrados que lançam incontáveis coletâneas de seus maiores sucessos a fim de afastarem o fantasma do ostracismo que cada vez chega mais perto, atraído pela superficialidade dos tempos modernos.

Essas regravações e coletâneas são sempre muito bem-vindas porque a arte genuína é atemporal. Jovens vozes e compilações servem para popularizar as eternas pérolas da nossa música. Contudo, é preocupante a parca produção musical contemporanea que nos obriga a garimpar na discoteca de nossos pais e avós para encontrarmos uma canção que traduza nossos sentimentos e aspirações de uma forma carregada de poesia porque isso esconde um problema de cunho sociológico muito mais profundo.

Ao contrário do que dizem, escassa é a inspiração não o talento. A sociedade continua a produzir artistas aos quais são relegadas imagens tão cruéis que nem sempre merecem ser refletidas em suas canções. E ainda que a sociedade fosse infértil de novos talentos autorais, os grandes compositores ainda estão em franca atividade e não têm apresentado nada de muito significativo nos últimos tempos, o que comprova a tese de escassez de inspiração.

Chico Buarque, monstro sagrado no cenário musical nacional, antevê seu futuro longe da música : acredita ele que acabará perdendo sua capacidade de compor e terminará seus dias dedicando-se à literatura. Quando um compositor dessa envergadura decreta o fim próximo de sua produção, percebemos um fenômeno que vai além da esfera artística, invade o terreno cultural - entendendo por cultura toda e qualquer forma de expressão social que componha a história de um povo, pois a arte não é desconexa da realidade: se a arte está vazia é porque a vida está vazia.

Não se pode negar, no entanto, que a batida moderninha é muito eficiente quando o propósito único do indivíduo é a diversão: na balada, para curtir com os amigos nada melhor do que um ritmo que embale de forma sensual e envolvente os corpos ávidos por uma interatividade com o sexo oposto.

Nesse sentido, e considerando a função de entreter, também fundamental a uma expressão artistica, pode-se dizer que a música da atualidade cumpriu parte do seu papel, mas de modo geral – salvo raríssimas exceções – o que está sendo feito nas décadas 90/2000 é totalmente dispensável quando o objetivo é o deleite da alma.

Para finalizar, fica a perturbadora pergunta: se a música é o reflexo de um tempo, a representação espontânea de uma sociedade, que tipo de imagem deixaremos para as gerações futuras?


4 de mar. de 2009

Por um público mais insatisfeito

Talvez o internauta experimente uma certa reação de estranheza em relação ao título desta postagem de estreia. Talvez esse sentimento o deixe curioso quanto ao que está exposto nestas linhas, ou o faça desistir da leitura.

Isso porque, com certeza, o leitor faz parte dos 26 % da população brasileira que, segundo o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, o INAF, possui nível pleno de alfabetização, fato que o torna apto a ler textos longos, fazer inferências e outras tarefas que de tão simples, nem mesmo são racionalizadas. Já lhe tornaram intuitivas, inerentes à sua nature.

Porém, esse mesmo título paradoxal que tanto o indignou pouco representa para 30% de seus compatriotas, cuja capacidade não vai além de localizar informações explícitas em textos curtos. Portanto, caro internauta, insatisfaça-se com o título e prossiga a leitura a fim de tirar suas próprias conclusões.

Sessenta e oito por cento dos considerados alfabetizados pela pesquisa do INAF, possuem algum tipo de deficiência na arte de interpretar, decodificar as mensagens que lhes chegam pela mídia, seja ela impressa, televisiva, radiofônica ou virtual. Sim, muitas dessas pessoas têm acesso a internet, mas, nesse caso, não se pode considerar a democratização da informação, promovida pela rede internacional, como algo positivo pois, é como colocar um carro de corrida nas mãos de quem só está habilitado para dirigir uma bicicleta.

Os chamados alfabetizados funcionais não questionam a realidade veiculada pela grande mídia que, não raro, preocupa-se mais em colocar panos quentes, a fim de garantir a manutenção do status quo, do que dar ao público instrumentos para pôr em xeque o mundo à sua volta. Dessa maneira, a grande maioria da população torna-se títere nas mãos de governantes que, ao contrário do que possa parecer, têm na imprensa, uma aliada.

Não estou aqui fazendo generalizações, pois existem experiências relevantes no cenário brasileiro no que se refere a levar uma informação de qualidade e fomentar questionamentos interessantes, porém, tais experiências ficam restritas a um público específico, setorizado, elitizado e isso não pode ser desconsiderado, visto que é grave.

Cada vez as notícias se tornam mais curtas, rasas, sem consistência; as análises mais elaboradas são feitas de forma rebuscada de forma que o grande público não as compreende integralmente. Há alguns anos o telespectador brasileiro foi comparado a Homer Simpson, personagem de desenho animado norte-americano conhecido por sua apatia diante da realidade.

Infelicidade à parte, talvez o autor da frase não esteja de todo equivocado. A cultura midiática popularizada nos dias de hoje prioriza o que é melhor assimilado em detrimento do que é realmente relevante. Coloca-se a culpa nas questões sociais que nos levam a estar sempre correndo sem tempo para ler os jornais devidamente, mas esquecem-se de que é possível uma linguagem jornalística simples, de fácil acesso e de qualidade. Aliás, é isso que aprendemos nos bancos de faculdade... e por favor, não roubem esta minha ilusão!

Se o nosso público é apático, nós somos os responsáveis, pois é nossa a função de formar opiniões, de transformar as mentes humanas, pretendendo mudar o mundo e isso não é só um discurso clichê, é uma realidade, deveria ser também uma profissão de fé para todos os profissionais da comunicação que têm nesse mister algo muito além da transmissão de informação e do entretenimento simplório.

Tudo bem, confesso minha utopia: mudar o mundo pode ser pretensioso demais, mas existe algo em meu discurso sonhador, caro inernauta, que é preciso ser considerado. Trata-se da sua importância para nós, jornalistas; importância essa que tem sido esquecida por muitos profissionais da área. O público, seja ele um intelectual ou um trabalhador rural, deve ser tratado com respeito e com dignidade, pois é ao mesmo tempo nossa matéria-prima e nosso consumidor final: notícias não se fazem sem pessoas. Pessoas realizam atos, pessoas interpretam atos, pessoas reagem aos atos.

É nosso dever crucial livrar nosso público das amarras obscuras da ignorância e pagar para ver o que ele fará quando conhecer a luz da informação. Muitos são os riscos, mas negar-lhes esse direito seria condenar-lhes a viver à margem ,sem que ao menos tenham consciência disso.É para isso que me formei: para manter meu público sempre insatisfeito com o que lê, vê ou ouve e, assim, possa buscar novos caminhos para que meu sonho deixe de ser uma utopia e possamos, enfim, mudar o mundo!