Cada momento por que passamos, cada pessoa de que gostamos, cada sentimento que se desperta dentro de nós possui uma trilha sonora específica que varia de acordo com as preferências e estilos individuais, talvez por isso a música seja quase uma unanimidade entre os seres humanos.
Depois de embalar anos de protesto, de luta ideológica, paixões fervorosas e lindas histórias de amor a produção musical brasileira enfrenta um período crítico. Grande parte das músicas que figuram entre as mais tocadas no País se fazem valer de batidas contagiantes, refrões de fácil memorização e pouco (ou nenhum) conteúdo: rimas pobres e abordagens superficiais.
A música deixou de ser expressão artística, para se tornar produto e como tal, tem de atender as leis de mercado, segundo as quais vende mais o que é mais facilmente assimilado pelo público. A preocupação de parte das gravadoras é vender um produto final que seja de rápida aceitação, sem a menor preocupação com os efeitos produzidos pelas mensagens transmitidas. É preciso reconhecer que alguns selos independentes ocupam-se da boa música, aquela que instiga a reflexão séria, sem desconsiderar o prazer do entretenimento, porém, ainda apresentam uma expressividade muito tímida no cenário nacional.
O lirismo da Bossa Nova, a despretensão da Jovem Guarda e mesmo a suposta alienação da geração de 80 (muito em voga nos últimos tempos) têm seus repertórios revisitados constantemente – seja pelos jovens artistas em busca de mais consistência para o seu trabalho, seja pelos já consagrados que lançam incontáveis coletâneas de seus maiores sucessos a fim de afastarem o fantasma do ostracismo que cada vez chega mais perto, atraído pela superficialidade dos tempos modernos.
Essas regravações e coletâneas são sempre muito bem-vindas porque a arte genuína é atemporal. Jovens vozes e compilações servem para popularizar as eternas pérolas da nossa música. Contudo, é preocupante a parca produção musical contemporanea que nos obriga a garimpar na discoteca de nossos pais e avós para encontrarmos uma canção que traduza nossos sentimentos e aspirações de uma forma carregada de poesia porque isso esconde um problema de cunho sociológico muito mais profundo.
Ao contrário do que dizem, escassa é a inspiração não o talento. A sociedade continua a produzir artistas aos quais são relegadas imagens tão cruéis que nem sempre merecem ser refletidas em suas canções. E ainda que a sociedade fosse infértil de novos talentos autorais, os grandes compositores ainda estão em franca atividade e não têm apresentado nada de muito significativo nos últimos tempos, o que comprova a tese de escassez de inspiração.
Chico Buarque, monstro sagrado no cenário musical nacional, antevê seu futuro longe da música : acredita ele que acabará perdendo sua capacidade de compor e terminará seus dias dedicando-se à literatura. Quando um compositor dessa envergadura decreta o fim próximo de sua produção, percebemos um fenômeno que vai além da esfera artística, invade o terreno cultural - entendendo por cultura toda e qualquer forma de expressão social que componha a história de um povo, pois a arte não é desconexa da realidade: se a arte está vazia é porque a vida está vazia.
Não se pode negar, no entanto, que a batida moderninha é muito eficiente quando o propósito único do indivíduo é a diversão: na balada, para curtir com os amigos nada melhor do que um ritmo que embale de forma sensual e envolvente os corpos ávidos por uma interatividade com o sexo oposto.
Nesse sentido, e considerando a função de entreter, também fundamental a uma expressão artistica, pode-se dizer que a música da atualidade cumpriu parte do seu papel, mas de modo geral – salvo raríssimas exceções – o que está sendo feito nas décadas 90/2000 é totalmente dispensável quando o objetivo é o deleite da alma.
Para finalizar, fica a perturbadora pergunta: se a música é o reflexo de um tempo, a representação espontânea de uma sociedade, que tipo de imagem deixaremos para as gerações futuras?