5 de mar. de 2009

A música e a modernidade

Cada momento por que passamos, cada pessoa de que gostamos, cada sentimento que se desperta dentro de nós possui uma trilha sonora específica que varia de acordo com as preferências e estilos individuais, talvez por isso a música seja quase uma unanimidade entre os seres humanos.

Através dos olhos, das vozes e das mãos dos artistas captamos impressões de mundo com as quais nos identificamos (ou não) e tentamos compreender os acontecimentos, aliviar as dores. Sem contar os inúmeros estudos já realizados comprovando os benefícios que uma boa melodia clássica pode trazer ao intelecto. Escrever letras, compor melodias e executar esse conjunto de forma harmoniosa são dons que possuem um poder extraordinário de transformação interna que está sendo esquecido por alguns músicos brasileiros da contemporaneidade.

Depois de embalar anos de protesto, de luta ideológica, paixões fervorosas e lindas histórias de amor a produção musical brasileira enfrenta um período crítico. Grande parte das músicas que figuram entre as mais tocadas no País se fazem valer de batidas contagiantes, refrões de fácil memorização e pouco (ou nenhum) conteúdo: rimas pobres e abordagens superficiais.


A música deixou de ser expressão artística, para se tornar produto e como tal, tem de atender as leis de mercado, segundo as quais vende mais o que é mais facilmente assimilado pelo público. A preocupação de parte das gravadoras é vender um produto final que seja de rápida aceitação, sem a menor preocupação com os efeitos produzidos pelas mensagens transmitidas. É preciso reconhecer que alguns selos independentes ocupam-se da boa música, aquela que instiga a reflexão séria, sem desconsiderar o prazer do entretenimento, porém, ainda apresentam uma expressividade muito tímida no cenário nacional.

O lirismo da Bossa Nova, a despretensão da Jovem Guarda e mesmo a suposta alienação da geração de 80 (muito em voga nos últimos tempos) têm seus repertórios revisitados constantemente – seja pelos jovens artistas em busca de mais consistência para o seu trabalho, seja pelos já consagrados que lançam incontáveis coletâneas de seus maiores sucessos a fim de afastarem o fantasma do ostracismo que cada vez chega mais perto, atraído pela superficialidade dos tempos modernos.

Essas regravações e coletâneas são sempre muito bem-vindas porque a arte genuína é atemporal. Jovens vozes e compilações servem para popularizar as eternas pérolas da nossa música. Contudo, é preocupante a parca produção musical contemporanea que nos obriga a garimpar na discoteca de nossos pais e avós para encontrarmos uma canção que traduza nossos sentimentos e aspirações de uma forma carregada de poesia porque isso esconde um problema de cunho sociológico muito mais profundo.

Ao contrário do que dizem, escassa é a inspiração não o talento. A sociedade continua a produzir artistas aos quais são relegadas imagens tão cruéis que nem sempre merecem ser refletidas em suas canções. E ainda que a sociedade fosse infértil de novos talentos autorais, os grandes compositores ainda estão em franca atividade e não têm apresentado nada de muito significativo nos últimos tempos, o que comprova a tese de escassez de inspiração.

Chico Buarque, monstro sagrado no cenário musical nacional, antevê seu futuro longe da música : acredita ele que acabará perdendo sua capacidade de compor e terminará seus dias dedicando-se à literatura. Quando um compositor dessa envergadura decreta o fim próximo de sua produção, percebemos um fenômeno que vai além da esfera artística, invade o terreno cultural - entendendo por cultura toda e qualquer forma de expressão social que componha a história de um povo, pois a arte não é desconexa da realidade: se a arte está vazia é porque a vida está vazia.

Não se pode negar, no entanto, que a batida moderninha é muito eficiente quando o propósito único do indivíduo é a diversão: na balada, para curtir com os amigos nada melhor do que um ritmo que embale de forma sensual e envolvente os corpos ávidos por uma interatividade com o sexo oposto.

Nesse sentido, e considerando a função de entreter, também fundamental a uma expressão artistica, pode-se dizer que a música da atualidade cumpriu parte do seu papel, mas de modo geral – salvo raríssimas exceções – o que está sendo feito nas décadas 90/2000 é totalmente dispensável quando o objetivo é o deleite da alma.

Para finalizar, fica a perturbadora pergunta: se a música é o reflexo de um tempo, a representação espontânea de uma sociedade, que tipo de imagem deixaremos para as gerações futuras?


8 comentários:

  1. Essa dúvida sobre o que deixaremos para as próximas gerações me intriga também. Enquanto nós tivemos contato com verdadeiras poesias (buscando no passado recente, claro), os que virão terão contato com créus e eguinhas pocotó, catiaças e apês...

    Concordo plenamente com o fato de que a inspiração é que está parca. A razão? Um país sem grandes conflitos ideológicos como os do tempo da ditadura. Um país que caiu na rotina da falcatrua.

    Não quero parecer pessimista, muito pelo contrário, acho que nosso país tem solução. O mundo tem. Basta agirmos para isso.

    Adorei o texto. Você me fez querer escrever sobre esse assunto também. Em breve um novo post no Capiau Urbano sobre esse assunto.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Mari! Que texto, hein! Passei por Zeca Baleiro e fui descendo, descendo... Fluido, hipnótico, provocador: "se a arte está vazia é porque a vida está vazia." Essa frase eu vou copiar para o meu myspace que eu quero que você visite. Lá tem duas músicas das minhas que, se fossem feitas em outra época (a da valorização da Arte e da motivação para a vida), me levariam a algum festival, tocariam nas rádios, etc. (eita, modéstia que me falta!).
    E eu tô numa fase de desânimo artístico enorme: compus umas músicas sertanejas, mas não é o que gosto de veicular... hehehe
    Escuta e fala pra mim o que achou das musiquinhas, ok?
    www.myspace.com/vagnerbenatti
    Um abraço,
    Vágner Benatti
    PS.: As Artes não eram pra ser bens de consumo, mas patrimônios da humanidade. (só pra deixar uma frase bonita no seu blog) :)

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  4. ... Pensando mais adiante, a motivação para a vida, que alimenta a produção e a apreciação da Arte, quase sempre de deve a alguma luta. Estamos tão diluídos nesse mar de falsa tranquilidade que não nos damos conta que temos a maior batalha bem na nossa frente: a crise do Amor. Ganância, ignorância, velocidade, individualismo, machismo, hipocrisia... E o amor, a compreensão, a compaixão sufocando debaixo desse tumulto. Mas há esperança: Zeca Baleiro, Lulu Santos e Jota Quest, principalmente no "La Plata", e Jay Vaquer (conhece? Esse é um que tem que vir tocar em Juiz de Fora!) estão engajados nessa batalha. Um bom ciclo de consciência começará. Espero que não tarde demais.
    Outro beijo,
    Vágner Benatti

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  5. É isso mesmo meninos! Temos que ter esperança e seguirmos firmes nessa utopia (será?), persistindo no uso da informação e da arte como ferramentas para mudar o mundo.

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  6. Jay Vaquer tem que vir em Juiz de Fora.,,,
    as letras do caram são fantasticas ;D
    keremos jay em jf!

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  7. Oi Marinella, andei lendo o seu blog e confesso que gostei muitou. Tem uma frase no seu texto que me chamou muito atenção: se a arte está vazia é porque a vida está vazia. Essa frase me intriga porque dos grandes artístas que li e de alguns que tive a aportunidade de conhecer seus trabalhos considero que a tristeza e o vazio deu grande sentido a suas obras. Será que Bauman não acertou quando disse que a modernidade líquida preenche os espaços vazios porque num dá tempo para o indivíduo pensar ou expor seus sentimentos?

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  8. Que bom que você gostou do blog, Geanne!Acho que é mais ou menos por aí. Na correria dos dias, as pessoas não pensam sobre o que querem, sobre o que são, sobre o que sentem e, muito menos, sobre o porquê disso tudo. E é esse porquê que dá sentido às artes. Os grandes artistas são os contestadores, aqueles que não se conformam com fórmulas prontas e, hoje, a ânsia por ganhar dinheiro acaba por nos afastar da nossa essência. Fomos engolidos pelo turbilhão frenético da superficialidade... lamentável...

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