4 de mar. de 2009

Por um público mais insatisfeito

Talvez o internauta experimente uma certa reação de estranheza em relação ao título desta postagem de estreia. Talvez esse sentimento o deixe curioso quanto ao que está exposto nestas linhas, ou o faça desistir da leitura.

Isso porque, com certeza, o leitor faz parte dos 26 % da população brasileira que, segundo o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, o INAF, possui nível pleno de alfabetização, fato que o torna apto a ler textos longos, fazer inferências e outras tarefas que de tão simples, nem mesmo são racionalizadas. Já lhe tornaram intuitivas, inerentes à sua nature.

Porém, esse mesmo título paradoxal que tanto o indignou pouco representa para 30% de seus compatriotas, cuja capacidade não vai além de localizar informações explícitas em textos curtos. Portanto, caro internauta, insatisfaça-se com o título e prossiga a leitura a fim de tirar suas próprias conclusões.

Sessenta e oito por cento dos considerados alfabetizados pela pesquisa do INAF, possuem algum tipo de deficiência na arte de interpretar, decodificar as mensagens que lhes chegam pela mídia, seja ela impressa, televisiva, radiofônica ou virtual. Sim, muitas dessas pessoas têm acesso a internet, mas, nesse caso, não se pode considerar a democratização da informação, promovida pela rede internacional, como algo positivo pois, é como colocar um carro de corrida nas mãos de quem só está habilitado para dirigir uma bicicleta.

Os chamados alfabetizados funcionais não questionam a realidade veiculada pela grande mídia que, não raro, preocupa-se mais em colocar panos quentes, a fim de garantir a manutenção do status quo, do que dar ao público instrumentos para pôr em xeque o mundo à sua volta. Dessa maneira, a grande maioria da população torna-se títere nas mãos de governantes que, ao contrário do que possa parecer, têm na imprensa, uma aliada.

Não estou aqui fazendo generalizações, pois existem experiências relevantes no cenário brasileiro no que se refere a levar uma informação de qualidade e fomentar questionamentos interessantes, porém, tais experiências ficam restritas a um público específico, setorizado, elitizado e isso não pode ser desconsiderado, visto que é grave.

Cada vez as notícias se tornam mais curtas, rasas, sem consistência; as análises mais elaboradas são feitas de forma rebuscada de forma que o grande público não as compreende integralmente. Há alguns anos o telespectador brasileiro foi comparado a Homer Simpson, personagem de desenho animado norte-americano conhecido por sua apatia diante da realidade.

Infelicidade à parte, talvez o autor da frase não esteja de todo equivocado. A cultura midiática popularizada nos dias de hoje prioriza o que é melhor assimilado em detrimento do que é realmente relevante. Coloca-se a culpa nas questões sociais que nos levam a estar sempre correndo sem tempo para ler os jornais devidamente, mas esquecem-se de que é possível uma linguagem jornalística simples, de fácil acesso e de qualidade. Aliás, é isso que aprendemos nos bancos de faculdade... e por favor, não roubem esta minha ilusão!

Se o nosso público é apático, nós somos os responsáveis, pois é nossa a função de formar opiniões, de transformar as mentes humanas, pretendendo mudar o mundo e isso não é só um discurso clichê, é uma realidade, deveria ser também uma profissão de fé para todos os profissionais da comunicação que têm nesse mister algo muito além da transmissão de informação e do entretenimento simplório.

Tudo bem, confesso minha utopia: mudar o mundo pode ser pretensioso demais, mas existe algo em meu discurso sonhador, caro inernauta, que é preciso ser considerado. Trata-se da sua importância para nós, jornalistas; importância essa que tem sido esquecida por muitos profissionais da área. O público, seja ele um intelectual ou um trabalhador rural, deve ser tratado com respeito e com dignidade, pois é ao mesmo tempo nossa matéria-prima e nosso consumidor final: notícias não se fazem sem pessoas. Pessoas realizam atos, pessoas interpretam atos, pessoas reagem aos atos.

É nosso dever crucial livrar nosso público das amarras obscuras da ignorância e pagar para ver o que ele fará quando conhecer a luz da informação. Muitos são os riscos, mas negar-lhes esse direito seria condenar-lhes a viver à margem ,sem que ao menos tenham consciência disso.É para isso que me formei: para manter meu público sempre insatisfeito com o que lê, vê ou ouve e, assim, possa buscar novos caminhos para que meu sonho deixe de ser uma utopia e possamos, enfim, mudar o mundo!