12 de mar. de 2009

Fábrica de heróis

O assunto do momento no meio esportivo é a volta de Ronaldo “Fenômeno” (?) para os gramados. “Fenômeno vai voltar, não vai?”. Pois bem, ele voltou, jogou, fez gol e a mídia já o apresenta como herói do Corinthians.



O balzaquiano jogador - que já teve casamento relâmpago, engordou, emagreceu, operou joelho (os dois), engordou de novo, teve mil e uma namoradas, ficou sumido dos noticiários esportivos, se enganou com garotas (ou seriam garotos?) de programa, teve passagem polêmica pelo Flamengo, fechou com o Corinthians, encarou um ano de fisioterapia pesada, emagreceu de novo, voltou aos jornais por causa de uma farrinha boêmia antes do jogo, foi suspenso e, finalmente, voltou ao campo (ufa!) - é cauteloso e sabe que ainda não está no seu melhor momento.

Depois de tudo o que passou, o rapaz sabe que ainda falta muito para voltar a ser aquele jogador que empolgava a garganta de Galvão Bueno. Por que então ainda somos obrigados a ver manchetes enaltecendo o jogador, elevando-o ao status de herói? Ok, o cara é duro na queda, se esforça para voltar, mas convenhamos, ele tem mais de 30 anos e isso pesa para qualquer mortal, mesmo para os atletas.

Mais do que admiração pelo atleta extraordinário que ele foi, mais do que torcida para que ele se recupere logo e volte à boa forma de antes, desconfio que essa histeria em torno de sua volta ao futebol (em especial, o brasileiro), tem razões um pouco mais profundas. O fato é que na falha memória histórica do brasileiro não povoam grandes heróis, apenas o esporte é capaz de tal façanha, mesmo estando tecnicamente deficiente.



O caso Ronaldo é apenas o mais recente, para não dizer constante, considerando que o Brasil é “o país do futebol” e tudo que se refere ao esporte merece destaque em qualquer época do ano, mas em 2008, o garimpo por novos heróis nacionais se repetiu e em 2012 a história dará sequência porque sempre foi assim e, infelizmente, parece que sempre será.

As Olimpíadas são o maior evento esportivo do mundo, mobilizam os mais variados tipos de atletas que, teoricamente, estariam ali em condições de igualdade, afinal, tiveram o mesmo tempo para treinarem. Acontece que essa é uma visão romântica e idealizada da situação porque na prática as diferenças entre desenvolvidos e subdesenvolvidos ficam ainda mais evidentes em eventos como esses. E por quê?

Porque o diferencial está na verba, na técnica, no espaço físico, enfim, na infra-estrutura que cada nação tem à sua disposição. Um atleta norte-americano, por exemplo, treina desde criança num programa que inclui alimentação balanceada, acompanhamento médico, psicológico, técnicos bem formados, amplos e bem equipados ginásios, apoio da família, do governo, da escola, do empresariado.




No Brasil, os grandes potenciais esportivos quase sempre são descobertos “treinando” nas ruas, em um campo de várzea ou numa praça qualquer. Quando em algum pequeno centro esportivo estão é porque suas famílias – normalmente desestruturadas – quis afastá-los das drogas. Seu talento nem de longe é consequência de uma alimentação saudável.

De dois em dois anos, um evento esportivo mobiliza o Brasil, fazendo emergir no povo um sentimento de nação, um amor à pátria numa transferência de responsabilidades. Ao invés de esperarem mudanças vindas do governo, veem nos pés, mãos e braços dos atletas a grande transformação social.

É como se no momento do gol, cada pé cansado de tanto andar em busca de emprego em tempos de crise pudesse se regozijar, ter um instante de sucesso na vida. É a catarse absoluta. Passa o mês esportivo e o calejado trabalhador tem de dar novamente com os costados na realidade. E os atletas? Esses coitados, depois dos seus 15 minutos de fama passam os próximos anos relegados ao ostracismo.



O esporte está – e sempre esteve – no imaginário coletivo como instrumento de um nacionalismo quase ufanista que tem prazo de validade, é extremamente perecível. E os governos, claro, se aproveitam desse momento de euforia para engabelar os eleitores com falácias. Ou seria à toa que as Olimpíadas coincidem com as eleições municipais e a Copa do Mundo com as presidenciais?

Mas não vamos adentrar aqui em uma discussão sobre essa feliz coincidência, fazendo uma analogia entre a postura da mídia com a política do pão – e – circo. O fato a ser discutido aqui, é a fabricação de heróis pela mídia a cada novo evento esportivo. Se ter heróis é importante para a construção da identidade nacional, é preciso preservá-los, reconhecer suas fraquezas e, ainda assim, admirá-los, afinal, o Super Homem é sensível à criptonita e nem por isso deixa de ser um super-herói.


*As fotos deste post são retiradas do portal Terra