1 de abr. de 2009

Erudito e popular

O povo não gosta de cultura erudita ou não consome por que não lhe é oferecido? Vira e mexe esta questão me ronda a mente. Eterna “pollyana”, sempre preferi acreditar que as rimas pobres do funk e as letras onomatopéicas do axé só fazem tanto sucesso porque têm uma indústria milionária por trás fazendo um trabalho espetacular de divulgação.

E na outra ponta as músicas eruditas com melodias harmoniosas, geniais são consideradas cansativas porque estão sempre associadas a um passado que a juventude, principal consumidora dos produtos culturais industrializados, abomina por completo. Óperas e concertos são programas “para gente velha”, são chatos, maçantes e por aí vai.

Tanto repúdio só tem uma explicação: não se vê orquestras se apresentando no Caldeirão do Huck e muito menos cantores líricos fazendo shows no Domingão do Faustão. O que se dirá então de um clipe musical da V Sinfonia de Beethoven na MTV. Essas cenas parecem um tanto surreais porque não estamos acostumados a elas.

E se não conhecemos outra coisa como escolher entre “o que eu gosto” e “o que eu não gosto”? Assim, seguimos tentando escolher o que é melhor entre o “Créu” e “Festa no Apê”. Acreditamos que essa é a maior expressão do nosso livre arbítrio, da nossa liberdade de opinião sem darmos conta de que se trata de variações do mesmo tema.

Quem define o que é erudito e o que é popular é a mídia, claro, atendendo a interesses mercadológicos, mas esse debate não está em questão no momento. Este post tem o objetivo de falar desse embate entre o erudito e o popular porque algumas questões permanecem sem resposta ao longo dos anos.

Já foi dito aqui que cultura é algo que está entre as pessoas, certo? Música é uma das expressões culturais humanas, certo? A globalização uniu os povos, eliminou as fronteiras culturais, certo? Então onde está escrito que a música clássica só pode ser ouvida por um grupo seleto de europeus ou indivíduos de qualquer nação desde que “sejam estudados”? Por que não é possível encontrarmos uma secretária do lar que adore ouvir Chopin em seu MP3 comprado na promoção das Casas Bahia dividido no carnê em 19 vezes? Ou um doutorando da Harvard ouvir um bom pagode brasileiro em seu carrão último tipo?

A resposta é simples, meus caros. Desde sempre a sociedade cria estereótipos que vão sendo reproduzidos geração após geração sem o menor critério virando uma bola de neve incontrolável. Há alguns anos, zapeando os canais de TV surpreendi-me com uma cena que merece, no mínimo, um pouco de atenção. Um músico se apresentava em algum país aparentemente europeu diante de uma massa entusiasmada.

Homens, mulheres, jovens, adultos, idosos e crianças loiros se acomodavam no meio da rua fosse na calçada, em cima de muros, árvores ou confortáveis cadeiras para assistir aquele espetáculo tão envolvente. Músicas clássicas entoadas por um violino nervoso, vibrante, um músico alegre, sorridente e divertido.

Era André Rieu subvertendo a idéia que temos de um concerto. Apaixonado pela música ele deixava essa paixão transbordar para aqueles que o assistiam e era impossível não se deixar envolver por aquele som. Na época eu ainda nem havia entrado na faculdade ninguém em minha casa tinha o hábito de ouvir músicas clássicas, no entanto, todos fixaram os olhos na TV e se divertiram tanto quanto aqueles felizardos europeus que tinham a sua rua como o palco de um belíssimo espetáculo.

Você deve estar pensando: “ah... mas eram europeus! Outro nível! Isso não daria certo no Brasil”. Engana-se, amigo internauta. Não só seria como é possível. Cidade do interior de São Paulo, São José dos Campos surpreende pelo incentivo à cultura. O Parque Vicentina Aranha volta e meia se apresenta como palco de manifestações culturais diversas.

Em junho de 2008 o referido Parque sediou a apresentação do grupo “De Puro Guapos”. Formado por músicos argentinos, o grupo apresenta tangos e contou com uma educada, participativa e vasta plateia. Assim como no caso europeu, idade e classe social não eram pré-requisitos para assistir ao show oferecido gratuitamente pela prefeitura. Após o evento, cada um retirou a sua cadeira devolvendo-a para o local adequado e saiu do local de forma organizada e civilizada.

Cena estranha para um grupo de brasileiros? Pois é real e eu estava lá para conferir e comprovar a minha tese de que se o chamado “povão” não gosta da cultura considerada “elitizada” é porque não a conhece. Se só lhe são oferecidos quadris rebolativos e refrões pornográficos, fica difícil gostar de algo que fuja disso. Fugir do óbvio e oferecer algo novo que enriqueça o universo cultural do cidadão é dever dos formadores de opinião.

Um comentário:

  1. É preciso conhecer e não ter a predisposição a não gostar. Quando criança eu achava tudo que o meu pai ouvia ruim. Hoje eu ouço o que ele ouvia quando eu era novo.

    Precisamos estar abertos ao novo. Só isso.

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